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Introdução
O acesso à Justiça é um instituto em constante evolução: se antes consistia na simples possibilidade de se ter uma pretensão analisada pelo Poder Judiciário, hoje este conceito abrange, também, os meios extrajudiciais de solução de conflitos, tais como a mediação e a conciliação.
Evolução conceitual
Considerações iniciais
O conceito de acesso à justiça passou por uma série de transformações ao longo da história. Inicialmente, ele se limitava à garantia formal do ingresso de uma ação ao Judiciário. Posteriormente, verificou-se a necessidade de se proteger a igualdade material, ampliando significativamente sua abrangência.
Como bem nos explicita Dinamarco (2016, p. 228), pode-se dizer que o acesso à justiça não se resume ao ingresso no Judiciário, pois este último significa, tão somente, ter uma demanda apreciada pelo Estado. Ora, é obvio que a simples garantia da apreciação de um caso pelo Poder Judiciário não considera os possíveis óbices ao ingresso, sendo que o conceito mais atual de acesso à justiça busca suprimi-los.
Contudo, é fundamental ressaltar que a modificação deste conceito não desconsidera a garantia de análise de demandas pelo Judiciário, mas a tem como apenas uma de suas vertentes. Assim, abre-se espaço para novas formas de solução de controvérsias, sendo elas judiciais ou extrajudiciais (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 43-44).
É interessante, aliás, observar que os chamados meios extrajudiciais de solução de conflitos ampliam, sobremaneira, o acesso à justiça. Isso pode ser verificado na medida em que as partes não mais se encontram adstritas ao Judiciário – com todas as suas limitações – para resolver suas questões. Então, os que querem pleitear seus direitos na justiça podem fazê-lo de maneira mais rápida e eficaz de forma extrajudicial.
Deste modo, fica claro que esses meios são formas de se ampliar e de se garantir o efetivo acesso à Justiça, propiciando a resolução das questões com mais eficiência, na busca da plena satisfação das partes.
Ondas evolutivas
A este respeito, Mattos (2011, p. 60) defende que o novo conceito “trata-se, não obstante a importância dos aspectos formais do processo, de um acesso à justiça que não se esgota no judiciário, mas representa também e primordialmente, o acesso a uma ordem jurídica justa”. Nesse sentido, para que este acesso chegasse a tal abrangência, Cappelletti e Garth (2002, p. 23) afirmam que ele passou por três grandes “ondas” evolutivas.
Na primeira delas, o Estado deixa de ter uma postura passiva e passa a garantir a assistência judiciária aos hipossuficientes, fazendo com que a população mais carente tenha a possibilidade de ingressar no judiciário. Já a segunda onda preocupa-se com a proteção de interesses difusos, de modo que o processo judicial deixe de ter caráter individual e passe a proteger direitos de pessoas indeterminadas. Por fim, a terceira onda busca ampliar os meios de se ter uma demanda solucionada, abarcando, além do processo judicial, os meios extrajudiciais de solução de conflitos.
Vê-se, pois, uma concepção que se encontra em constante evolução, partindo da perspectiva individualista para a social, havendo, ainda, o reconhecimento dos meios extrajudiciais como legítimos a atender às demandas da sociedade.
Obstáculos ao acesso à Justiça
O acesso à justiça encontra diversos obstáculos à sua concretização, sendo que reconhecê-los é fundamental para que seja possível superá-los. Deste modo, a compreensão destes óbices é um importante primeiro passo, sendo necessário que se estude cada um deles – sejam de natureza econômica ou social – para, logo após, compreender o que as chamadas “ondas” do acesso à justiça tiveram a contribuir para a sua superação.
Pode-se dizer que essas barreiras se resumem em três, quais sejam as custas processuais, a possibilidade das partes e os problemas inerentes aos interesses difusos.
- No primeiro caso, considera-se – atrelada às custas processuais – a morosidade, que pode elevar ainda mais os custos do processo:
- No que concerne à possibilidade das partes, é possível afirmar que, muitas vezes, estas não lutam em igualdade, visto que uma delas pode possuir melhores condições de arcar com as despesas e com a espera pela sentença.
- Por fim, quanto aos problemas inerentes ao direito coletivo, é comum que não haja interesse individual para pleitear um direito coletivo ou difuso e, consequentemente, demandas como essas dificilmente são levadas ao judiciário (OLIVEIRA e MACHADO, 2015, p. 2).
Por todas essas razões, a ponderar a evolução conceitual do acesso à justiça e o reconhecimento de seus obstáculos, é possível afirmar que, dentre as possibilidades, se encontra justamente a legitimação dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, os quais podem transpassar muitas das barreiras supramencionadas.
Além do mais, conforme será discorrido no próximo tópico, esta legitimação dos meios alternativos consiste na fase atual de ampliação do conceito.
Soluções às dificuldades ao acesso à Justiça
Considerações iniciais
A partir do século XIX, os países ocidentais passaram dar especial relevância ao acesso à justiça. Nesse contexto, surgiram três movimentos que se sucederam de forma cronológica a fim de buscar meios para a garantia efetiva do acesso a uma ordem jurídica justa.
O primeiro desses movimentos relaciona-se à justiça gratuita, para superar a barreira das custas processuais. O segundo, diz respeito à representação dos interesses difusos. Já o terceiro representa, nos dizeres de Cappelletti e Garth (2002, p. 23), “uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”.
Assim, o processo judicial passa por uma fase de instrumentalização, no qual ele deve atender às demandas sociais considerando aspectos sociais, políticos, econômicos e históricos, visando o acesso à denominada ordem jurídica justa. Dentro deste contexto de instrumentalização processual, surgiram as mencionadas ondas renovatórias do processo judicial (ALMEIDA, 2007, p. 23).
Diante disso, o direito processual passou a observar aspectos sociológicos e não mais puramente jurídicos. Desta forma, ao sair de um viés tecnicista para um olhar mais humanizado dos jurisdicionados, abre-se espaço para a superação dos empecilhos ao acesso à justiça, até chegar na última e atual onda renovatória de maior abrangência.
É fundamental reconhecer a importância dos dois primeiros movimentos na linha cronológica do desenvolvimento da proteção ao acesso à justiça. Entretanto, tais movimentos são insuficientes à garantia plena do acesso à ordem jurídica justa. Por isso, a terceira onda veio com o intuito extremamente ampliativo, abarcando todo um conjunto de instituições e mecanismos; incluindo advogados públicos ou privados, meios judiciais ou extrajudiciais (GOMES NETO, 2003, p. 68).
Resumo das fases
Percebe-se, assim, que as opiniões doutrinárias convergem à medida que sustentam a ampliação do conceito como um processo histórico-evolutivo, cujas fases se resumem nas seguintes:
- Assistência Judiciária para os pobres: segundo Cappelletti e Garth (2002, p. 23), “os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentraram-se, muito adequadamente, em proporcionar serviços jurídicos para os pobres”.
- Representação dos interesses difusos: conforme Gomes Neto (2003, p. 59), “esta segunda “onda” de reformas implica numa reflexão sobre noções tradicionais básicas ao processo civil e sobre o papel dos tribunais, visto que não contemplavam a proteção de interesses transindividuais”.
- Novo enfoque do acesso à justiça: ainda de acordo com Cappelletti e Garth (2002, p. 44) “Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos […]”.
Assim, além das duas primeiras fases, de importância inquestionável para a ampliação do acesso à Justiça, tem-se, nos meios consensuais, uma solução pra diversas dificuldades enfrentadas pelos jurisdicionados quando do ingresso de suas demandas ao judiciário.
MAPA MENTAL – RESUMO
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BIBLIOGRAFIA
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002.
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2016.
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O Acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: Análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2003.
MATTOS, Fernando Pagani. Acesso à justiça: um princípio em busca de efetivação. Curitiba: Juruá, 2011.
OLIVEIRA, Aline Santos; MACHADO, Márcio Calçada Fernandes. Acesso à Justiça. Revista Científica Eletrônica de Ciências Aplicadas da FAIT, 2015. Disponivel em: <https://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/pItTNezwtbykS71_2015-1-29-21-16-42.pdf>. Acesso em: 2 Julho 2018.
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