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Transcrição
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – CONSTRUIR uma sociedade livre, justa e solidária;
II – GARANTIR o desenvolvimento nacional;
III – ERRADICAR a pobreza e a marginalização e REDUZIR as desigualdades sociais e regionais;
IV – PROMOVER o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Esquema
Comentários
Os comentários que se seguem foram feitos por Gilmar Ferreira Mendes e Adisson Leal:
Introdução
O art. 3º é representativo do preponderante viés dirigente da Constituição Federal, na medida em que define nortes básicos (objetivos fundamentais) a serem seguidos pelo Poder Público, estreitando, assim, a margem de opção político-institucional de que dispõe o Estado na consecução dos seus misteres.
Apesar da redação impositiva, com claros mandamentos dirigidos ao Estado (construir, garantir, erradicar, promover), trata-se de dispositivo com baixa densidade normativa, em razão da sua abrangência e limitada concretude.
Funciona, assim, como conjunto de princípios norteadores da atuação estatal e não como regra de aplicação e sanção tout court. De todo modo, em matéria de hermenêutica constitucional, já destaquei que, “tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável proceder-se a uma distinção entre essas duas categorias” (MENDES, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 152).
Sendo assim, é fundamental compreender que o dispositivo em comento se irradia por todo o Texto Constitucional por meio de diversos outros dispositivos que complementam as questões constitucionais postas e, em conjunto, conferem a elas maior densidade normativa e significados específicos, o que, em última análise, redunda em concretude e operacionalidade da norma.
Para descortinar o conteúdo do art. 3º, portanto, é preciso identificar suas relações de interdependência.
Concretização
A concretização desse dispositivo pressupõe atuação do próprio constituinte (originário ou derivado), do legislador ordinário e do governo na formulação e implementação de políticas públicas de diversas ordens.
Poder Constituinte Originário
Quanto à atuação do constituinte originário, no próprio Texto Constitucional encontram-se diversos dispositivos que conferem maior densidade e concretude aos objetivos fundamentais insculpidos no art. 3º.
O inciso I encontra correspondência, por exemplo, com o art. 5º, IV (liberdade de manifestação do pensamento), XIII (liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão) e XXII (garantia do direito de propriedade) e com o art. 170 (livre iniciativa). Além disso, há capítulos inteiros inter-relacionados com esse dispositivo, a exemplo daquele dedicado à política agrícola e fundiária e à reforma agrária (Capítulo III do Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira) e daquele dedicado à seguridade social (Capítulo II do Título VIII – Da ordem social).
Por sua vez, o inciso II encontra reforço normativo, por exemplo, no art. 21, IX (competência da União para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social). Também há inter-relação com o capítulo dedicado à ciência, à tecnologia e à inovação (Capítulo IV do Título VIII – Da ordem social), apenas a título exemplificativo.
Já o inciso III é reforçado, por exemplo, pelo art. 43 (ação articulada da União em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais).
E o inciso IV encontra referência, por exemplo, no art. 7º, XXX (proibição de diferença de salários, exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil).
Poder Constituinte Derivado
No âmbito de atuação do constituinte derivado, aponte-se a edição da Emenda Constitucional 31/2000, que alterou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para vigorar até o ano de 2010. Na sequência, a Emenda Constitucional 67/2010 prorrogou por tempo indeterminado o prazo de vigência do fundo.
Outro exemplo que se coaduna com os imperativos do art. 3º foi a edição da Emenda Constitucional 19/1998, que, entre diversos outros aspectos, tornou cargos, empregos e funções públicas acessíveis aos estrangeiros, na forma da lei.
Na legislação ordinária, por exemplo, a Lei 8.666/1993, alterada pela Lei 12.349/2010, assevera que a licitação se destina, entre outros aspectos, à promoção do desenvolvimento nacional sustentável – destaque-se o acréscimo do legislador.
No campo das políticas públicas, notem-se a criação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, hoje integrada ao Ministério dos Direitos Humanos, bem como a atuação do Poder Público no âmbito das chamadas ações afirmativas de inclusão, tema discutido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, em que se declarou por unanimidade a constitucionalidade da Lei 12.990/2014, que implementou cotas raciais em concursos públicos
Outras anotações
Logicamente, no processo de concretização das diretrizes contidas no art. 3º, a realidade se colocará como elemento conformador. Como assevera Konrad Hesse, “a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade”, e “essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização” (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 14).
Assim, as condições naturais, técnicas, econômicas e sociais serão sempre condicionantes da eficácia dessa norma, que, a rigor, estará sempre em processo de concretização. Por isso mesmo, em razão do caráter dirigente do art. 3º, o dispositivo deve ser interpretado e aplicado dinamicamente, segundo uma ideia de desenvolvimento constitucional, pois, como destaca J. J. Gomes Canotilho, aludindo a Paul Kirchhof, “a Constituição assume-se também como tarefa de renovação e por isso se disse recentemente que não é o passado mas o futuro o problema da Constituição”.
E mais: “não deve esquecer-se que a Constituição não é apenas um ‘texto jurídico’ mas também um expressão do desenvolvimento cultural do povo” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.141).
Exemplo desse pano de fundo dinâmico é o surgimento de novos direitos relacionados a avanços sociais e culturais, tais como o direito de laje e outros advindos das inúmeras evoluções tecnológicas que vivenciamos todos os dias, a exemplo dos direitos relacionados à bioética. É esse o contexto dinâmico do art. 3º.
Enfim, para além das citadas diretrizes para a atuação estatal, o art. 3º também confere importantes nortes hermenêuticos principalmente para o exercício do controle de constitucionalidade. A baixa densidade normativa do dispositivo em comento esconde um grande poderio interpretativo, daí sua referência em inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal […].
REFERÊNCIA
MORAES, Alexandre de et al. Constituição Federal Comentada. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
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