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Transcrição – Art. 386 do CPP
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
I – mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;
II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;
III – aplicará medida de segurança, se cabível.
Esquema
Comentários
Os comentários que se seguem foram feitos por Eugênio Pacelli e Douglas Fischer:
Decisão absolutória e dispositivo da sentença
De modo geral, a legislação processual penal contempla expressamente os fundamentos legais das decisões absolutórias. Relativamente às (decisões) condenatórias, essa seria uma exigência constitucional (princípio da reserva legal e do devido processo legal).
Mas, ao menos em tese, pensamos aceitável a absolvição fundada em questões não subsumidas inteiramente nas situações descritas na parte dispositiva do art. 386, CPP (exemplo: para aqueles adeptos do funcionalismo penal, pode-se pensar em uma decisão motivada na desnecessidade concreta da pena, a se adotar a perspectiva de ROXIN, Claus – ver, dentre outros, Funcionalismo e imputação objetiva. Trad. Luís Greco, Editora Renovar, 2002).
Nesse caso, pode-se até recorrer ao disposto no inciso VI, a tratar de hipóteses de exclusão do crime, incluindo a exclusão da culpabilidade. Contudo, para Roxin, a aludida categoria (da culpabilidade) foi enriquecida com a exigência da necessidade preventiva da pena (responsabilidade), o que implicaria a necessidade de um reforço de argumentação para a absolvição sob tal perspectiva.
De todo modo, a parte da sentença que dispõe sobre a pretensão deduzida em juízo – no caso, a condenação pleiteada – é denominada por dispositiva, isto é, a parte dispositiva.
Hipóteses de absolvição
Incisos I e III
Inexistência do fato e/ou falta de prova da existência dele; tem-se aqui hipótese de decisão fundada em prova material e também na ausência dela. Aliás, em processo penal, em matéria de condenação, já o vimos, o critério de certeza judicial jamais poderá ser formal, dependendo, sempre, de prova provada, isto é, da efetiva comprovação dos fatos e circunstâncias amparadas em provas (daí a expressão verdade material – ver art. 155, CPP e seguintes).
A decisão que julga provada a inexistência do fato tem consequências também civis, impedindo a reabertura de discussão em qualquer outro processo, inclusive de natureza cível, nos termos do disposto no art. 935 do Código Civil (ver art. 66, CPP). Já a decisão que absolve por falta de prova da existência do fato somente produz efeitos no âmbito criminal. E os efeitos são de coisa julgada material, já que se trata de sentença definitiva, de cuja autoridade (da sentença) se obtém eficácia preclusiva em quaisquer outros processos penais. Impõe-se aqui a aplicação do princípio da vedação da revisão pro societate, a impedir que aquele que tenha sido absolvido em processo penal seja de novo julgado pelo mesmo fato (Pacto de San José da Costa Rica, art. 8, § 4º, conforme Decreto nº 678/92).
Inciso III
Há algumas divergências na doutrina, particularmente, na nacional, acerca dos elementos que comporiam o conceito analítico do crime. É conhecida a posição de Damásio, entre os poucos que excluem a culpabilidade como integrante (elemento) do crime, figurando, naquela doutrina, como pressuposto da pena.
Aqui não seria o espaço mais adequado ao exame da questão. No entanto, rejeitamos semelhante ponto de vista, como ocorre, aliás, em praticamente todo o direito comparado (a ressalva quanto ao praticamente é fruto de prudência: com efeito, nunca nos deparamos com posições doutrinárias relevantes adotando semelhante perspectiva). A culpabilidade é tão pressuposto da pena quanto a ilicitude e a tipicidade. O não culpável não tem acesso à normatividade e tampouco à compreensão do ilícito. Atribuir-lhe a prática de crime é operar com uma perspectiva meramente causal e objetiva da responsabilidade, algo cada dia mais longe na pós-modernidade.
Mesmo os mais recentes estudos em torno da imputação objetiva e da responsabilização do dolo sem vontade (ver GRECO, Luís em alentado artigo – Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo – v. 8, nº 32, 2000, p. 120- 163) não dispensam a culpabilidade como marco da responsabilidade penal.
Tudo isso significa o seguinte: ao que parece, a se julgar pelos demais dispositivos alinhados no art. 386, o presente dispositivo para a absolvição se refere unicamente ao juízo de tipicidade. Os demais elementos do crime (ilicitude e culpabilidade) se conteriam no inciso VI, logo adiante. Mesmo a presença de eventual erro de tipo, que, segundo o direito brasileiro (à exceção do erro na descriminante putativa – art. 20, § 1º, CP), excluiria o dolo e o tipo, se encontra naquela parte dispositiva (VI).
Incisos IV e V
A ausência de prova da participação do réu no crime sempre foi fundamento para a absolvição no Código de Processo Penal. A novidade, aparentemente dispensável (já veremos, de novo, sua utilidade), é a absolvição com fundamento na prova da não participação, trazida pela Lei nº 11.690/08.
Obviamente, os exemplos forenses nesse sentido serão raros, já que o juiz se contenta, em princípio, com a dúvida sobre a autoria ou a participação. É que qualquer juízo condenatório pressupõe convencimento, isto é, certeza judicial. Desnecessário, no ponto, recorrer-se ao in dubio pro reo, se assentada a compreensão, garantista, no sentido de que o ato de decisão há que ser sempre um ato essencialmente de conhecimento.
A vantagem de semelhante disposição é a possibilidade de eficácia preclusiva que também gerará efeitos no juízo cível, a impedir reabertura das discussões nesse sentido, o que não era e não é garantido pela absolvição com base da ausência de prova (da participação). Agora, a partir da nova redação, será efetivamente possível a negativa de autoria. Não como ausência de prova, mas como prova provada, ou seja, como fato devidamente comprovado em juízo, em contraditório e sob a ampla defesa.
Inciso VI
As referências aos arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do CP, além de atualizar a referida norma (de dispositivo da sentença absolutória) à nova Parte Geral do Código Penal, trouxeram um acréscimo na redação que lhe deu a Lei nº 11.690/08.
Trata-se da inclusão, expressa, da incerteza judicial sobre a possível aplicação das excludentes (de tipicidade, por erro, de ilicitude e de culpabilidade): Leia-se: se houver fundada dúvida sobre a sua existência.
Ora, a dúvida sobre a presença de uma excludente não é outra senão a dúvida sobre a existência do crime, com todos os seus elementos. Se o juiz tem dúvida sobre a legítima defesa, ele terá dúvida sobre a prática do crime, notadamente sobre a configuração da ilicitude.
De todo modo, nada há que reparar no acolhimento da ressalva, enquanto dispositivo expresso para a absolvição.
Inciso VII
Eis um dos grandes exemplos de cláusula genérica.
Ora, se já prevista a hipótese de absolvição por ausência de prova quanto à existência do fato; por ausência de prova quanto à autoria ou à participação; de absolvição por fundada dúvida quanto às excludentes de ilicitude e de culpabilidade, além dos casos de erro de tipo, para que a hipótese de falta de prova para a condenação?
Com efeito, os incisos anteriores abrangem o fato, a autoria/participação e a sua (do fato) valoração jurídico-penal, parecendo-nos suficientes para a fundamentação da decisão absolutória.
Mas, como visto, em nada prejudicam o dispositivo; até, ao contrário, poderão facilitar absolvições não enquadráveis nos demais dispositivos, como vimos no exemplo atinente ao funcionalismo de Roxin.
REFERÊNCIA
PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 10. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Atlas, 2018.
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