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Conceito
Cláusulas exorbitantes são aquelas que colocam a Administração Pública em posição de supremacia em relação ao particular, dando a ela uma série de prerrogativas. São lícitas nos contratos administrativos, mas não o seriam em contratos celebrados entre particulares, por acarretar o desequilíbrio da relação contratual.
Tais prerrogativas decorrem do regime jurídico administrativo, que se fundamenta em dois princípios: supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público.
O artigo 58 da lei de licitações exemplifica essas cláusulas:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I – modificá-los, UNILATERALMENTE, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II – rescindi-los, UNILATERALMENTE, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III – fiscalizar-lhes a execução;
IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
Neste artigo, examinaremos estas e outras cláusulas elencadas por Maria Sylvia Zanella Di Pietro e encerraremos com um mapa mental 😊
Exigência de garantia
O artigo 56 da Lei de Licitações afirma ser possível a exigência de garantia para a contratação de obras, serviços e compras, desde que prevista no instrumento convocatório (edital ou convite).
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:
I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;
II – seguro-garantia;
III – fiança bancária.
Após a execução do contrato, a garantia é devolvida. Entretanto, em caso de rescisão contratual por culpa do contratado, a Administração Pública poderá reter o valor.
Alteração unilateral
Conforme vimos, uma das prerrogativas dadas à Administração Pública nos contratos administrativos é a possibilidade de alteração unilateral. Esta possibilidade é regulamentada de forma mais específica pelo artigo 65, I, da Lei de Licitações:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
Di Pietro elenca os seguintes requisitos para a alteração unilateral:
a) que haja adequada motivação sobre qual o interesse público que justifica a medida;
b) que seja respeitada a natureza do contrato, no que diz respeito ao seu objeto; não se pode alterar um contrato de venda para um de permuta, ou um contrato de vigilância para um de limpeza;
c) que seja respeitado o direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado;
d) com relação à alteração quantitativa, ainda deve ser respeitado o limite imposto pelo § 1º do artigo 65; esse dispositivo estabelece um limite para os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, sendo de até 25% do valor inicial atualizado do contrato e, no caso de reforma de edifício ou equipamento, até 50% para os seus acréscimos. Pelo § 2º, inciso II, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei nº 9.648/98, nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo “as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes”.
Rescisão unilateral
A possibilidade de rescisão unilateral pode ser estudada com a combinação do artigo 58, inciso II, com os artigos 79, inciso I e 78, incisos I a XII e XVII, que elencam as seguintes hipóteses:
1. inadimplemento com culpa (incisos I a VIII e XVIII do art. 78), abrangendo hipóteses como não cumprimento ou cumprimento irregular das cláusulas contratuais, lentidão, atraso injustificado, paralisação, subcontratação total ou parcial, cessão, transferência (salvo se admitidas no edital e no contrato), desatendimento de determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato, cometimento reiterado de faltas, descumprimento do artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, sobre trabalho de menor;
2. inadimplemento sem culpa, que abrange situações que caracterizem desaparecimento do sujeito, sua insolvência ou comprometimento da execução do contrato (incisos IX a XI do art. 78): falência, concordata, instauração de insolvência civil, dissolução da sociedade, falecimento do contratado, alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa; nota-se que, em caso de concordata, é permitido à Administração manter o contrato, assumindo o controle de determinadas atividades necessárias à sua execução (art. 80, § 2º);
3. razões de interesse público (inciso XII do art. 78);
4. caso fortuito ou de força maior (inciso XVII do art. 78).
Nas hipóteses 1 e 2, a rescisão se dá por atos do contratado, sendo, por esse motivo, indevido qualquer ressarcimento por partes da Administração Pública. Já no caso das hipóteses 3 e 4, o Poder Público é obrigado a ressarcir.
Fiscalização
O Poder Público possui a prerrogativa de designar um agente para fiscalizar a execução do contrato.
A este fiscal caberá anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados ou, se as decisões ultrapassarem sua competência, solicitá-las a seus superiores.
O não atendimento das determinações da autoridade fiscalizadora enseja rescisão unilateral do contrato (art. 78, VII), sem prejuízo das sanções cabíveis.
Aplicação de penalidades
É possível, diante da inexecução total ou parcial do contrato, a aplicação de sanções administrativas por parte do Poder Público. Dentre elas, a Lei de Licitações elenca as seguintes:
I – advertência;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação, perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Anulação
No exercício de sua autotutela, o Poder Público pode anular os seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais. É o que diz a Súmula 473, do STF:
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Acerca disso, Di Pietro discorre:
Em se tratando de ilegalidade verificada nos contratos de que é parte, a Administração tem também o poder de declarar a sua nulidade, com efeito retroativo, impedindo os efeitos jurídicos que elas ordinariamente deveriam produzir, além de desconstituir os já produzidos. É o que consta do artigo 59 da Lei nº 8.666/93. Se a ilegalidade for imputável apenas à própria Administração, não tendo para ela contribuído o contratado, este terá que ser indenizado pelos prejuízos sofridos.
[…]
A anulação do contrato não exonera a Administração Pública do dever de pagar o contratado pela parte do contrato já executada, sob pena de incidir em enriquecimento ilícito. Além disso, também não a exonera do poder-dever de apurar a eventual responsabilidade dos seus servidores pela ocorrência do vício que levou à invalidação do contrato.
Retomada do objeto
Em respeito ao princípio da continuidade do serviço público, a fim de evitar a paralisação de serviços – especialmente dos essenciais – a Administração Pública pode proceder à retomada do objeto.
Esta retomada somente pode se dar em casos de rescisão unilateral, de acordo com o artigo 80 da Lei de Licitações:
Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:
I – assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;
II – ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58 desta Lei;
III – execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;
IV – retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.
Exceção do contrato não cumprido diferida
A exceção do contrato não cumprido é a possibilidade de descumprimento da obrigação quando a outra parte também o fizer. Isso no Direito Privado. Quando a Administração é parte no contrato, a aplicação desse instituto é limitada.
Vejamos o que diz Licínia Rossi:
Existem contratos que oferecem obrigações recíprocas entre as partes contratantes, de forma que uma parte não pode exigir da outra o cumprimento de uma obrigação enquanto ela mesma não cumprir sua própria incumbência. No direito administrativo, mesmo a Administração Pública estando inadimplente, o contratado deve dar continuidade à execução do contrato porque ele não poderá invocar, de imediato, a exceção do contrato não cumprido em sua defesa.
[…]
A Lei n. 8.666/93 fixa três hipóteses em que é possível invocar a exceção do contrato não cumprido:
Art. 78, XIV, da Lei n. 8.666/93: constituem motivo para rescisão do contrato a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
Art. 78, XV, da Lei n. 8.666/93: nos contratos administrativos, a exceptio non adimpleti contractus somente pode ser invocada pelo contratado após 90 (noventa) dias do inadimplemento por parte da Administração Pública;
Art. 78, XVI, da Lei n. 8.666/93: “Constituem motivo para rescisão do contrato a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto”.
MAPA MENTAL – RESUMO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. ISBN 978-85-224-8680-9.
PITZCOVSKY, Celso. Direito administrativo esquematizado. 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
ROSSI, Licínia. Manual de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. 1024 p. ISBN 9788553617913.
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