Contraditório e Ampla Defesa

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Introdução

O contraditório e a ampla defesa são previstos pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Ambos são princípios de natureza processual e estão intimamente ligados.

Bem ilustrativo desta concepção é o entendimento de Delosmar Mendonça jr.: ” … são figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. (…) o contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório”.

Neste artigo falaremos de cada um deles separadamente e encerraremos com um mapa mental 😊

Contraditório

Doutrina tradicional

Segundo a doutrina tradicional, o contraditório é composto pelo direito à informação (direito de ter ciência do que está acontecendo no processo) e direito de resposta (participar da defesa de seus interesses).

Nessa perspectiva, as partes devem ser devidamente comunicadas de todos os atos processuais, abrindo-se a elas a oportunidade de reação como forma de garantir a sua participação na defesa de seus interesses em juízo.

Doutrina moderna

Por outro lado, conforme nos ensina Fredie Didier Jr., o contraditório é composto pelo direito à participação no processo e pela possibilidade de influenciar a decisão do juiz, utilizando todos os mecanismos admitidos em lei. Observe que este conceito se diferencia do conceito tradicional (informação + resposta). Vejamos:

A garantia da participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. Esse é o conteúdo mínimo do princípio do contraditório e concretiza a visão tradicional a respeito do tema. De acordo com esse pensamento o órgão jurisdicional efetiva a garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte.

Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do “poder de influência”. Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do órgão jurisdicional.

Assim, não se garante o contraditório apenas com a comunicação e oitiva da parte, mas é preciso garantir que esta mesma parte seja capaz de influenciar o conteúdo da decisão judicial. Exemplificando:

Posturas como a do juiz que recebe a defesa escrita em audiência nos Juizados Especiais e sem sequer folhear a peça passa a sentenciar certamente não vai ao encontro da nova visão do contraditório. O mesmo ocorre quando desembargadores conversam, leem, ou excepcionalmente se ausentam enquanto o advogado faz sustentação oral perante o Tribunal. Como observa a melhor doutrina, somente por meio de um constante e intenso diálogo do juiz com as partes se concretizará o contraditório participativo, mediante o qual o poder de influência se tornará uma realidade.

Jurisprudências relacionadas

Caso 1

NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO RECONHECIDA EM EXAME PERFUNTÓRIO. JULGAMENTO EXAURIENTE QUE NÃO RESPEITOU CONTRADITÓRIO. POSICIONAMENTO CONTRADITÓRIO QUE ACARRETA TERATOLOGIA. RECURSO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Fora das circunstâncias normais, a doutrina e a jurisprudência majoritárias admitem o manejo de mandado se segurança contra ato judicial, ao menos nas seguintes hipóteses excepcionais: a) decisão judicial manifestamente ilegal ou teratológica; b) decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal atributo; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. 2. Na espécie, o ato judicial apontado como coator mostra-se teratológico, ante a contradição que reside em afirmar, quando do exame perfunctório, que seria necessária a formação do contraditório e, posteriormente, julgar o mérito, sem a devida manifestação de todas as partes do processo. 3. Incidência da Súmula 202/STJ: “A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona a interposição de recurso.” 4. Recurso provido para conceder a segurança, cassando-se o ato apontado como coator. (STJ – RMS: 49295 RS 2015/0233456-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 02/08/2016, T4 -QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2016).

Caso 2

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. OPORTUNIDADE DE EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO NO CURSO DA DEMANDA. PRECEDENTES. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. RECURSO DA FUNDAÇÃO. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Controvérsia acerca responsabilidade civil de ex-dirigente de fundação educacional por atos ilícitos praticados no exercício da gestão. 2. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR PEDRO HENRIQUE SERTORIO 2.1. Inocorrência de nulidade do processo em virtude da ausência de notificação do ora recorrente para o inquérito civil público – tendo sido notificada tão somente a pessoa jurídica da fundação – uma vez que as nulidades do inquérito civil não contaminam, necessariamente, a futura ação civil pública, uma vez que são assegurados o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa no curso da demanda. Precedentes. 2.2. Caso concreto em que o Tribunal de origem entendeu que o ora recorrente não impugnou satisfatoriamente os elementos de prova que instruíram a inicial da ação civil pública, não havendo falar, portanto, em ofensa ao contraditório. 2.3. Aplicação do óbice da Súmula 284/STF no que tange à alegação de cerceamento de defesa, tendo em vista a dedução de razões genéricas, não tendo havido explicitação da prova que teria sido suprimida com o julgamento antecipado, tampouco demonstração da relevância dessa prova no contexto das outras provas que fundamentaram a sentença. 3. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR FUNDAÇÃO PINHALENSE DE ENSINO 3.1. Inocorrência de abalo à honra objetiva da instituição de ensino, sendo descabida a pretensão de indenização por danos morais (cf. voto do Min. MOURA RIBEIRO). 4. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS. (STJ – REsp: 1602029 SP 2016/0138041-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 10/03/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/03/2020).

Ampla Defesa

Conceito

Conforme vimos, contraditório e ampla defesa possuem forte correlação, de modo que é possível afirmar que a ampla defesa consiste na utilização de todos os mecanismos necessários ao exercício do contraditório.

Atualmente, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão substancial do princípio do contraditório, pode-se dizer que eles se fundiram, formando uma amálgama de um único direito fundamental.

A ampla defesa corresponde ao aspecto substancial do princípio do contraditório.

Conforme Cássio Scarpinella Bueno:

Os “recursos a ela inerentes”, a que se refere o inciso LV do art. 5º da CF, devem ser entendidos como a criação de mecanismos, de formas, de técnicas processuais, para que a ampla defesa seja exercitada a contento. Não são “recursos” em sentido técnico, em sentido processual, como mecanismos de revisão ou de controle de decisões judiciais. A própria concepção de um “direito fundamental à prova” pode e deve ser entendida como uma forma de bem realizar o comando constitucional aqui destacado, isto é, como meio de se exercer amplamente a defesa.

Jurisprudências relacionadas

Caso 1

VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não há violação da ampla defesa se o servidor, inconformado com a decisão administrativa de não conhecimento de recurso anterior, interpõe o pedido de reconsideração legalmente previsto, o qual é recebido e processado pela autoridade competente, como ocorreu no caso. 2. O não conhecimento do recurso administrativo impede que a autoridade competente se pronuncie quanto ao mérito, sem que isso signifique omissão ilegal ou abusiva, ensejadora da concessão da segurança. 3. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no MS: 20850 DF 2014/0045615-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 24/04/2019, Si – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 26/04/2019).

Caso 2

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE GARANTIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O inquérito policial é procedimento investigatório e meramente informativo, não se submetendo ao crivo do contraditório, pelo que não é garantido ao indiciado o exercício da ampla defesa. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no REsp: 1552870 GO 2015/0214309-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 27/11/2018, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2018).

MAPA MENTAL – RESUMO

Contraditório e Ampla Defesa - mapa mental

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BIBLIOGRAFIA

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.


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