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Estado de necessidade é uma situação de exclusão da ilicitude (ou antijuridicidade) de uma conduta, conforme vimos no artigo sobre Teoria do Crime. Por isso, tal hipótese é chamada de “discriminante”, uma vez que ela exclui o caráter criminoso da conduta. A seguir, estudaremos com mais profundidade esta hipótese.
Conceito
Trata-se de uma conduta lesiva praticada diante de uma situação de perigo.
O nosso Código Penal prevê o seguinte:
Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Assim:
Situação de perigo
Perigo é a possibilidade de dano a um determinado bem jurídico. Ao contrário da agressão, que promana necessariamente da conduta humana dirigida à lesão do bem, o perigo pode provir de força da natureza, do fato de animal irracional ou mesmo de ação humana, desde que não configure uma injusta agressão.
A situação de perigo passível de estado de necessidade é aquela:
Atual
A situação de perigo deve estar acontecendo, não podendo ser nem a que já acabou e nem uma possível e futura situação de perigo. Entretanto, a doutrina admite a possibilidade de situação iminente para caracterizar o estado de necessidade.
Assim, para que se possa invocar a proteção do estado de necessidade, o perigo há de ser atual, embora o dano não o precise ser. Quer dizer que haverá situação de perigo atual, na medida em que for atual a necessidade de defender-se o bem jurídico, seja porque, se não for defendido imediatamente, corre o risco concreto de perecer, ou seja, corre-se o risco de se tornar ineficaz qualquer ulterior ação defensiva.
Quanto à possibilidade de o perigo ser iminente René Dotti defende que a melhor exegese do sistema positivo admite o estado de necessidade em face do risco iminente. Para tanto, basta valer-se da interpretação analógica com o instituto da legítima defesa que considera lícita a reação através do meio necessário e moderadamente, contra injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Que ameace a direito próprio ou alheio
Se a situação de perigo não prejudicará um direito, o agente não poderá agir em estado de necessidade.
Tal como na legítima defesa, qualquer bem jurídico, ainda que não protegido pelo Direito Penal, pode ser defendido pelo estado de necessidade. Contudo, interesses não tutelados não podem ser defendidos pela descriminante em pauta, de forma que o detento não pode alegar estado de necessidade se provoca lesões corporais para escapar da prisão.
Não causada voluntariamente pelo agente
O agente que se coloca em perigo não pode agir em estado de necessidade.
Assim, se aquele que intencionalmente deu causa ao perigo necessitar violar bem jurídico de terceiros para salvar-se, tal conduta não há de ser considerada lícita.
Segundo posição atualmente majoritária, apenas a provocação intencional do perigo exclui a possibilidade de alegação do estado de necessidade.
Que o agente não tenha o dever legal de enfrentar
A existência do dever legal de enfrentar o perigo é logicamente incompatível com o instituto do estado de necessidade, vale dizer, com a possibilidade de lesar bens jurídicos com intenção, justamente, de salvar-se do perigo.
Alguns agentes públicos têm o dever imposto pela lei de enfrentar o perigo, como é o caso dos bombeiros, por exemplo. Em regra, esses agentes não podem agir em estado de necessidade, salvo em uma única situação: quando o bem que se visa proteger for mais relevante do que o bem prejudicado – por exemplo, para defender a vida, o agente prejudica a integridade corporal de outrem.
Conduta lesiva
A conduta lesiva passível de estado de necessidade é aquela:
Inevitável
Se o agente, para se livrar do perigo, tiver outra alternativa que não seja lesionar, ele deve optar por não lesionar. Em latim existe uma expressão que retrata essa inevitabilidade: “comoddus discessus”, que significa “saída mais favorável”. Assim, para configurar o estado de necessidade o agente deve agir em “comoddus discessus”.
Razoável
Deve haver um equilíbrio entre o que se visava proteger e o que se lesionou. Dessa forma, não se pode, por exemplo., para defender o patrimônio lesionar a vida de alguém. Consigne-se, no entanto, que, se a conduta do agente não for razoável, ele receberá pena diminuída de um terço a dois terços.
Em que o agente tenha conhecimento da situação justificante
Que o agente pratique a conduta lesiva por conta de saber, ou pelo menos achar que está em perigo.
Espécies de estado de necessidade
As espécies desta discriminante são:
REAL | Estão presentes os seus requisitos. |
PUTATIVO | Seja porque não estão presentes os seus requisitos, seja porque o agente comete um erro sobre a extensão da causa de justificação. |
PRÓPRIO | O bem salvo pertence ao defendente. |
DE TERCEIRO | O bem salvo pertence a terceiro, desde que, sendo o bem disponível, o agente atue com consentimento expresso ou presumido do seu titular. |
DEFENSIVO | É sacrificado direito de quem produziu o perigo. |
AGRESSIVO | É sacrificado direito de um inocente. |
JUSTIFICANTE | É o único reconhecido pela lei brasileira, exclui a ilicitude da conduta. |
EXCULPANTE | É reconhecido pela legislação alemã e, para alguns autores, admissível como causa supralegal de exclusão da culpabilidade no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, exclui a culpabilidade. |
BIBLIOGRAFIA
ANDREUCCI, Ricardo Antonio; MESSA, Ana Flávia. Exame da OAB unificado 1ª fase. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
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